31 janeiro, 2012

Enganos sobre ateísmo


Primeiramente, ateísmo não é a negação propositiva de um deus. Descobri uma analogia (de minha autoria) que pode ajudar muitas pessoas a entenderem o que quero dizer quando sou ateu ou que não acredito em deuses. Eu não acredito que pessoas tenham tido contato com extraterrestres (em especial, nenhuma abdução nem discos voadores). Acho os depoimentos fracos e confusos, as fotos toscas, os materiais extraterrestres sempre faltantes. Enfim, as pessoas acreditarem porque têm necessidade ou vontade me parece bem mais provável do que os acontecimentos que elas alegam. Assim, se existisse tal expressão, eu seria um ateu dos extraterrestres. E isso não significa que eu nego veementemente o contato entre terrestres e extraterrestres, mas sim que não tenho razão para reverter minha posição. Acho que uma boa frase que sintetiza esse pensamento é a frase [perdoem-me por não encontrar o link] da Åsa Heuser sobre religião: "Não me convence". Esta é a minha posição sobre a ressureição de Jesus e sobre a abdução de pessoas: não me convencem. Outra referência adequada seria este post do Eli Vieira.

Há uma diferença óbvia: há supostas "provas lógicas" de deus (mesmo que falsas), que são consequências de raciocínio e não de observações empíricas, mas todas evidência de extraterrestres é empírica (mesmo que falsas). Por exemplo, sobre a existência necessária da primeira causa, ou do primeiro motor. Também rejeito estas provas - não por orgulho, teimosia ou escolha; elas simplesmente não me convencem. O raciocínio, penso, é humano e portanto também pode ser falho (tem um mundo inteiro nesta frase). O meu exemplo preferido (uso a título de ilustração para as pessoas entenderem meu ponto, não para convencê-las, embora indiretamente ajuda) é sobre a impossibilidade de vôo para máquinas mais pesadas que o ar. É lógico que a hereditariedade não pode criar informação genética, e é lógico que máquinas mais pesadas que o ar não podem voar. Também é lógico que o mundo teve um começo, e também é lógico que ele não pode ter começado do nada.

Às vezes me pedem para provar que deuses não existem (curiosamente, geralmente pedem por um em particular). A verdade é que não sei se deuses existem, e não sei se poderemos ter certeza disso em algum dia. Por exemplo, eu sou incapaz de mostrar a inexistência de Papai Noel. Não que eu rejeite ou negue o Papai Noel; somente não me convence. Acho que os brinquedos que eu ganhava têm uma melhor explicação. Mesmo que eu veja o Papai Noel sendo usado para enganar pessoas, e que haja uma explicação histórica para o surgimento de tal ser mitológico, não posso provar que ele não passa de uma fantasia. E não vou tentar provar a inexistência de deuses antes de provar a inexistência de Papai Noel. Mesmo quando usamos atributos como onipotente, onipresente e onisciente para definir o deus da Bíblia (Deus pelos fiéis) não podemos provar sua impossibilidade; sempre pode ser que estejamos fazendo algo errado.

Penso que ateísmo somente seja simplesmente não crer em deuses pessoais. Até então eu não havia feito tal distinção, mas existem pessoas que vêem um deus completamente desligado dos problemas emocionais humanos. Dependendo do caso ele cria o universo e depois desaparece (deísmo), ou ele é a beleza da natureza e a ordem do universo (teísmo de Spinoza). Para mim o ateísmo não fala sobre essas coisas. Acho simplesmente irrelevante para minha visão de mundo, assim como (outra ilustração!) o solipsismo. (Estou abreviando um pouco a história. Afinal, sou um ser pensante que sabe estruturar um raciocínio em vez de simplesmente vomitar seu saber.)

Um engano muito comum sobre ateísmo é a respeito da ciência. Ateísmo não fala sobre ciência; é simplesmente a ausência de crença em deuses (pessoais). E ponto. É possível ser um cientista ou um amante da ciência sem ser ateu. Também é possível ser ateu e não dar a mínima para esses assuntos, e mesmo ser "contra a ciência". Claro que algumas fatos científicos são bem estabelecidos e difíceis de combater, mas ateus são indivíduos, e não há nada de contraditório em ser ateu e defender a planicidade do planeta.

O ateísta não é obrigado a formular uma explicação científica para os elementos do universo, nem defender que os eventos do mundo natural sejam investigados cientificamente; ele simplesmente não acredita em deuses. Ateísmo não é uma explicação para o universo e para a vida; é simplesmente a ausência de crença em deuses. Por que é necessário associar uma coisa à outra?

Eu pessoalmente acredito que o método que chamamos ciência (sem entrar em maiores detalhes sobre o que é ciência) tem nos dado bons resultados, tanto em tecnologias úteis como em conhecimentos confiáveis. (Não vou discutir porque ciência funciona.) Posso frasear: eu (junto como as agências de fomento) confio na ciência e no trabalho dos cientistas, não por serem perfeitos, mas por valerem a pena. Esta não é uma crença nem um ato de fé, ao contrário do que alguns partorzinhos pretendem (projeção freudiana, na minha opinião). De qualquer maneira, ateísmo não significa necessariamente confiar na ciência, embora muitos ateus (e muitos não ateus) concordem que ela é o melhor intrumento para investigar o mundo natural. A ciência não é perfeita, mas como diz aquela camiseta... it works, bitches.

Faço questão de entrar num particular: a relação com o evolucionismo. Ocorre simplesmente que a teoria evolucionista (incluindo aqui a genética, a seleção natural e a ascendência comum) é uma explicação para a vida como conhecemos, explicando coerentemente (e cientificamente) várias semelhanças e diferenças entre os seres vivos. Muitas pessoas, atéias ou não, são evolucionistas. A diferença é que algumas religiões têm conflitos com essa teoria, enquanto o ateísmo é completamente neutro. A princípio é possível ser ateu e não saber por que a vida é assim, ou ter uma visão diferente. Hoje é meio raro acontecer, mas muito antes de Darwin a ideia de mutabilidade dos seres vivos e de evolução via seleção natural era desconhecida, e um ateu não teria uma resposta convincente como a que temos hoje. Nem por isso sua situação como ateísta seria diferente. Faço questão de frisar: ateísta não tem que ser evolucionista, nem defender o evolucionismo como forma de suportar seu ateísmo. Apesar da relação estatística (não tenho dados aqui, mas creio haver uma correlação positiva entre ateístas e evolucionistas), não há uma relação lógica.

Também o ateísmo não afirma que o universo surgiu do nada (como sempre acusam). Afinal, o ateísmo é simplesmente... você sabe o que. É normal interessar-se por essas questões, como por que existe alguma coisa quando poderia não existir nada, mas muitas vezes não há resposta decente. Ateístas são provocados a darem suas respostas sobre essas perguntas como se o ateísmo devesse dar uma resposta. Pessoalmente, prefiro admitir que não sei a dar uma resposta errada, como penso serem as respostas das religiões. O ateísmo não afirma nada sobre o universo. Um ateu é um indivíduo e pode responder como que quiser, inclusive admitir que não sabe. O ponto é que ele não vai sair pela tangente dizendo "Ah, foi deus que criou". Ateísmo não contém uma explicação para as coisas serem como são, ele é simplesmente... você sabe o que. Alguns religiosos não conseguem separar as coisas; acham que o ateu sempre fala em nome dos supostos princípios do ateísmo, ou da aludida visão de mundo ateísta. A verdade é que o ateísmo é vazio de proposições. Mesmo a inexistência de um deus pessoal não é um dogma; é só parte da definição de ateísmo. Ateísmo é só um nome, não é uma filosofia muito menos uma religião. É que nem a descrença em discos voadores avistados e abduções - só que com um nome curtíssimo.

Chegando ao campo da moral, ateus às vezes são acusados de serem imorais, ou de adotarem o ponto de vista do relativismo cultural. A verdade é que ateísmo não fala sobre moral. Ateus agem da forma que acharem melhor, assim como todas as pessoas, só que sua posição sobre religião não dita absolutamente nada, enquanto para um religioso pode interferir. Para mim o problema da existência de uma moral ou ética universal pertence à filosofia, e é super delicado para ter uma resposta tão simples (assim como a existência do universo, da vida, da consciência...). Não quero ter uma resposta simples e errada (como as que as religões oferecem) sobre esses assuntos.

Discussão menos polêmica é sobre os bebês serem considerados ateus ou não. Para mim não importa muito; é só o jeito de usar a palavra. Pode-se discutir e dar argumentos pelos dois lados, mas não tratarei disso aqui. De qualquer maneira, vou considerar que bebês não são ateus por não terem opinião formada sobre o assunto.

Por muito tempo considerei que só deveria ser considerado ateu quem também não acreditasse em coisas como astrologia, cura por cristais e pseudociências em geral. Hoje já não vejo mais motivos. Acho que para ser considerado ateu basta não acreditar em deuses pessoais (e ter o discernimento para isso). Para mim superstições e crendices (num sentido que excluem as religiões) são pura bobagem, mas acho que ser ateu é outra coisa, e que é possível ser ateu e supersticioso sem ser contraditório.

Em resumo: ateísmo não é uma afirmação propositiva da inexistência de deuses pessoais. O ateu não vê evidência de deuses, e não precisa provar a inexistência para sustentar sua posição de ateu. Ateísmo não fala sobre ciência, moral ou superstições.