25 julho, 2011

evidências e ausências

Não ressaltarei a importância, nem a certeza, nem a estranheza. Ressaltarei que ausência de evidência significar evidência de ausência(Carl Sagan; não confundir com Sangan) é uma dúvida definidíssima. Se a acho a questão central do universo (e tudo o mais), não, embora reconheça que ela é importante no que conhecemos e consideramos o conhecimento e sua validação. Se a questão está solucionada na minha cabeça, não! Seguindo este texto, ótimo em muitos aspectos, não sugerirei ao leitor que aproveite como quiser.

(No post anterior, ridicularizo (para aqueles que ainda não perveberam a ironia daquele...) algo parecido com a ideia de ausência de evidência ser evidência de ausência. Devo dizer por que a analogia não é perfeita. Os fósseis (e os vídeos e os perfis do Facebook) dos intermediários não seriam exatamente uma evidência da evolução, mas sim uma evidência da existência desses intermediários, e não do processo através do qual os seres vivos se modificam com o tempo... A diferença é bem delicada, mas na minha opinião de hoje existe.)

Imagino como deva ser um modelo do conhecimento que contenha certa álgebra (outra palavra seria estrutura). Se tenho uma afirmação (que possa ser admissível no modelo) e existe uma medida de valor (talvez uma probabilidade de veracidade), deveria esperar (essa seria a estrutura ou álgebra) que esse valor se alterasse conforme os fatos que estivessem disponíveis. Se houvesse tal fato corroborando a afirmação, seu valor (ou probabilidade) de verdade aumentaria, e caso se soubessem falsas tais evidências, seu valor (ou probabilidade diminuiria). Na ausência de tais evidências, o que dizer? Provavelmente diminuiria o valor da verdade pouco a pouco (por exemplo como alguma curva decrescente que nunca atingisse a 0, no caso da probabilidade) conforme as evidências não fossem encontradas (mas saltando para um valor maior quando e se essas evidências fossem encontradas).

Mas isso que falei só faz sentido supondo que há um modelo coerente (na verdade funcional, e com essa exigência estamos implicitamente num modelo, com outras suposições) que obedeça às regras acima (que me parecem razoáveis, mas intrinsecamente não são razoáveis, creio). Daí faria sentido falar em ausência de evidência implicar uma evidência de ausência, abaixando lentamente nossa crença na afirmação à medida em que as evidências que a fariam aumentar seu valor não aparecessem.

Mas também não é necessário que a ausência da evidência altere o valor da crença. Afinal, podemos dar nomes às nossas álgebras ou estruturas conforme o que elas satisfazem (um grupo, uma álgebra graduada, um anel comutativo com unidade), e cada jeito seria uma definição do que gostaríamos que modelasse o nosso conhecimento. O que é mais razoável é, para mim, uma decisão mais humana e pessoal que intrínseca. Não sei dizer se há algo que realmente se encaixa num tipo (ausência da ausência leva à diminuição do valor da afirmação com o tempo) ou no outro (somente evidências contrárias abaixariam o valor).

Note que quando pensamos na estrutura em que a falta de evidência faz o valor decrescer lentamente com o tempo, já estamos pensando que... existe um tempo! Com o que conheço de Física tremo com a força dessa hipótese.

Outra ideia legal, tergiversando, é a ideia de Kant sobre o tempo (ter lido O Mundo de Sofia há pouco tempo está em fazendo bem). Ele diz que percebemos as coisas através de filtros, que tudo que percebemos ocorre como eventos no tempo e no espaço (e também que associamos causalidade a fatos sucessivos). A relação me parece óbvia: a pergunta se o tempo é algo tão intrínseco no mundo ou se só faz parte da nossa visão e como acomodamos as coisas. Mesmo que seja somente pessoal (talvez não faça sentido dizer que é ou não é, no modelo dos modelos), ainda podemos pensar em decrescimento temporal. Mas tudo isso nos põe a pensar e a duvidar de estruturas universais e naturais.

A conclusão provisória (como todas, acredito por enquanto): quando dizemos que ausência de evidência é ou não é evidência de ausência, já estamos pensando (ou deveríamos estar pensando) numa estrutura em que isso faça sentido. Impus condições que me pareceram razoáveis para tal estrutura de modo que os conceitos fizessem sentido. Pareceu-me relativamente simples, mas foi só um jeito de formalizar os conceitos (ausência de evidência e evidência de ausência), e não necessariamente o jeito canônico ou natural. Se o conhecimento funciona numa das duas estruturas sugeridas não podemos saber com certeza, mas creio que podemos usar qualquer uma das duas estruturas para obtermos resultados úteis e práticos mesmo que seja só na duração da nossa vida. E isso também é um modelo ou estrutura de pensamento. Se algo puder ser dito sobre a validade da afirmação de Carl Sagan, é: depende do contexto.

Fugirei do assunto agora para ressaltar outro uso de uma ideia. O argumento ontológico para a existência de deus nos pede para imaginar um ser perfeito,o melhor de todos os seres. O argumento ontológico segue dizendo que tal ser perfeito existe, pois um ser perfeito existente é melhor que um ser perfeito inexistente, o qual portanto não seria perfeito... e se nomeia deus como tal ser perfeito (esta é a parte mais razoável... o maior problema, já vou adiantando, é jogar para esse deus todas as propriedades que os humanos acreditam que ele tem).

Um motivo para o argumento ser furado é: por que podemos comparar coisas dizendo se são melhores ou piores que outras? Isso tem um termo definido em Matemática (conjunto totalmente ordenado). Por que o conjunto de todas as coisas pode ser totalmente ordenado?

Na verdade, existe uma coisa que se chama Axioma da Escolha, que diz que todo conjunto pode ser bem ordenado (como consequência totalmente ordenado, mas são coisas distintas). Mas o ponto chave é: essa boa ordenação satisfaz o que queremos? Queremos que haja um supremo (o perfeito é o ser que é melhor do que todos os outros), mas não só isso. Há outro ponto crucial: o que tal ordem tem a ver com as medidas humanas do que é bom ou ruim? Esse na verdade é o ponto mais forte e significativo. Sem ele, mesmo que se considere o Axioma da Escolha e que existe tal supremo, deus, o ser perfeito, pode ser qualquer coisa, como uma toalha artesanal norueguesa... Pegando outro exemplo da Matemática, os números complexos têm uma ordem total (a lexicográfica, por exemplo). Mas quando exigimos que uma ordem nos complexos satisfaça condições que parecem razoáveis (tipo produto de positivos ser positivo, aqui supondo a existência de um zero e de um produto, e portanto um anel pelo menos), prova-se que não existe tal ordem!

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