19 novembro, 2007

de cotas e cotistas

(Cotista é aquele que entrou na universidade através de um sistema de cotas sociais/raciais [no caso da UFRGS]. Falo isso porque esse nome tem jeito de ser criado, e não naturalmente aceito.)
(Uma opinião mais antiga minha sobre as cotas pode ser vista aqui.)

Acho que muito diferente de ser contra as cotas é querer segregar cotistas. Acho que quando me pronuncio contra as cotas estou indo contra o sistema de seleção de universitários, mas isso absolutamente não implica ("absolutamente" só dá o destaque, não é algo que condicione o que vem a seguir, como normalmente deveria se usar um advérbio; é só um artifício para um texto) que estarei contra cotistas. São duas coisas bem diferentes. Acho bom deixar claro. (Para mim e para eventuais outras pessoas.)

Agora, falaremos sobre o que quis evitar no bloco anterior. No caso da UFRGS há cotas raciais e sociais. As primeiras dependem de uma declaração "de etnia" da pessoa, e para a segunda parece que só é necessário que se tenha cursado todo o ensino médio em escola pública.
As cotas raciais me parecem fortemente discriminatórias (já vi alguém escrever: "Se eu fosse negro, não aceitava."), e acho até um retrocesso. Gostaria que revogassem isso algum dia, de preferência cedo. Alguém pode me achar racista, mas acho que acho que prefiro algo mais justo (defendi isso no post que indico logo ali em cima).
Já falei das cotas sociais, de que poderiam entrar pessoas despreparadas. Acho que não é tanto assim, acho que a diferença não é tão drástica. Ou melhor, agora penso que é um pouco menos forte o impacto do que pensava antes. Não sei se me posiciono contra: pode ser uma forma de alguma pessoa "capaz" (e que se dedique a estudar) tenha oportunidade de avançar em seus conhecimentos. Mas ainda assim parece difícil decidir.

Um comentário:

Eli Vieira disse...

Como estou na Universidade que, se não me engano, foi pioneira na implantação de Cotas para negros, vou colar aqui o que eu disse em uma discussão travada num grupo de emails do meu centro acadêmico sobre um incidente que foi noticiado nacionalmente na TV.

O incidente ao qual eu me refiro foi o incêndio no quarto dos africanos. Um ou dois dias após o incidente, certos militantes de esquerda saíram fazendo barulho pelo campus protestando contra "racismo". Eu me recusava a aceitar a correlação automática que fizeram entre racismo e o atentado, e a classificação que fizeram do atentado como "terrorismo".

Acusei estes militantes de serem irracionais e dramáticos demais. Logo recebi uma resposta de um deles, do meu curso, dizendo que era ótimo ser dramático. A discussão seguiu assim (email meu):

"OK, seja dramático. Quanto a isso, só posso emitir minha humilde opinião de que a dramaticidade é o limiar da irracionalidade, e a irracionalidade tende à interpretação deturpada dos fatos.

Da mesma forma alguns moradores da CEU (Casa do Estudante Universitário, onde aconteceu o incêndio) poderiam declarar "a resistência à socialização dos africanos da CEU vem de longa data...". É o que vi alguns moradores afirmarem, e palavras assim merecem tanto crédito quanto o que foi dito sobre os africanos terem de enfrentar a animosidade injustificada dos outros moradores há tempos. Não vou entrar no mérito da questão, é impossível saber quem tem razão, e é possível mesmo que seja um mosaico de razão entre as partes.

Terrorismo não é qualquer ação deletéria de um grupo. Este grupo precisa estar filiado a um rótulo particular (nazista, muçulmano) que é a suposta antítese de um rótulo-alvo (judeu, cristão), e as pessoas sob este rótulo-alvo muitas vezes não pertencem verdadeiramente a ele, até porque a classificação do terrorista é obtusa e obscura para seus próprios fins.

Não há razão para achar que na UnB existe um grupo de pardos (como o suspeito que você citou) ou de quaisquer pessoas filiadas a uma ideologia particular que vise o contrangimento dos negros e/ou estrangeiros. Mas se houver, não duvido que seja uma pequena célula de tolos baderneiros confusos, que é diferente de uma organização terrorista. Também não vi consistência na conclusão apriorística de que o atentado foi racista. No dia do ataque alguns já saíram dizendo "vem gritar conosco contra o racismo porque botaram fogo nos apartamentos dos africanos".

Por que se encontra esse tipo de lógica irracional na UnB? Foi aí que liguei o acontecido às cotas. Penso que elas têm responsabilidade na criação de tensão que leva certas pessoas a pensarem que se um negro sofre alguma coisa na UnB só pode ser resultado de racismo. (Veja bem, não estou falando que fizeram o atentado por causa das cotas!)

Por isso acho que a primeira manifestação (que vi no RU) só pode ter sido irracional e crédula. Até aquele ponto nada havia sido apurado para corroborar a tal conclusão, e acho que ainda não há. Se houver, ou quando houver, quero ser informado, pois serei um defensor passional da ação contra o preconceito no caso se as evidências apontarem para ele.

Discriminar é separar, segregar, classificar. Vejam se há homogeneidade suficiente entre as etnias africanas para jogá-las num balaio e chamar todos de negros. É uma classificação inútil baseada num aspecto morfológico simplório. Eu sou um mestiço, mas antes disso, sou um cidadão que merece tantos direitos quanto os outros. Nunca vou me engajar em qualquer programa para assistência de mestiços (me engajo em assistência financeira, pois preciso), e pouco me importa se o IBGE me classifica como branco, mestiço, pardo ou coisa assim.
Me importa é se vão se fazer algo pelos estudantes pobres, não interessa a morfologia deles.

Sinceramente,
Eli"

Apareceu então um texto de um estudante de outro curso defendendo a correlação entre o ataque e racismo.
Eis minha resposta a este email:

"Novamente a lógica distorcida. Denovo a afirmação de que se foram só os apartamentos dos africanos atacados isso significa que o que eles têm em comum como vítimas é só a cor da pele, e que essa é a única característica que têm em comum que foi alvo dos que fizeram o ataque. Não é. A hipótese de xenofobia é sim tão plausível quanto a de racismo, se não melhor.

"Novamente o racismo aparece como um tabu insuperável, procuram-se outros motivos que explique o racismo, e agora o da xenofobia, tudo com o intuito em negar o fato de sermos racistas."

Que FATO é este? Eu não nego que existe o interesse de negar cegamente que existe racismo, até por ingenuidade, e às vezes por interesse ideológico também. Também me pergunto por que é que há esse interesse de dizer que somos todos racistas e que isso é um fato.

"de etnia negra" - e novamente a simplificação da heterogeneidade dos povos africanos em favor de uma classificação do senso comum nem um pouco criteriosa. Não se devia usar o senso comum arbitrariamente como régua de criação de políticas públicas também.


"Os movimentos sociais que defendem as cotas e outras medidas afirmativas para os negros, indígenas e mulheres precisam se valer de políticas que assegurem a identidade destes grupos, já que são elas que, de alguma forma, por causa do preconceito, do racismo, da xenofobia e afins, os impossibilitam de fazerem jus aos mesmos direitos universais a que poucos têm acesso."

Assegurar a identidade não precisa ser segregação. Uma vez vi um cartaz de um movimento negro com citações de vários escritores em defesa da igualdade étnica. Nenhum dos escritores, até onde sei, era não-negro. Será que esse tipo de segregação está mesmo ajudando a identidade de alguém?

O movimento feminista chegou a extremos tais que provocam até risos. Afirmou-se até que a Mecânica dos Fluidos é machista nas suas teorias. Em vez de ficar fazendo barulho irritadiço, eu aconselharia um fomento maior à socialização, e um pouco mais de estudo sobre o que é pertencer a uma etnia afinal, ou até mesmo o que é pertencer a um sexo, o que é pertencer a uma nação.

"mas são os veículos pelos quais nosso racismo jogado pra debaixo do tapete acha para se locomover entre nós disfarçadamente, através da pecha de discurso lógico e racional, nunca racista."

O que posso concluir do trecho acima é que o racismo é uma força etérea, uma entidade sobrenatural, quase um demônio, e vaga entre nós sob diversas formas, e é capaz até de possessão ideológica. É muito comum em debates demonizar a opinião "adversária", transformá-la num boneco de Judas que fica mais fácil de ser surrado.
O que muito pouca gente quer é analisar os fatos com um pouco menos de paixão e um pouco mais de ceticismo.

Daqui a pouco vou ler respostas a este email (se é que alguma aparecerá) ao estilo "ideologia X, ame-a ou deixe-a". Ou "se não está comigo está contra mim". Nesse caso eu abraçarei de bom grado o rótulo e sacrificarei alguns bodes ao meu racismo etéreo que se esconde no âmago mais profundo do meu epitélio intestinal.

Esperançosamente,
Eli"

Eis que a Polícia Federal encerrou o caso o tratando como XENOFOBIA, e não Racismo.